quinta-feira, 5 de julho de 2012

EDUARDO HENRIQUE GOMES DE CARVALHO TRAZ-ME AS SUAS LÁGRIMAS MOLHADAS DA NEBLINA DO VALE, PARA UMEDECER, COM A SUA SENSIBILIDADE, A ROSA VERDE QUE SE ABRIU PELOS CAMINHOS DO VERDE IMORREDOURO!

Cara Lúcia Helena:

 Escrevi para você! 


 Lágrimas do Vale

 Hoje estive em Ceará-Mirim pela manhã a trabalho e ao sair do Fórum me deparei com uma visão que me chamou bastante atenção. Era o “Vale” encoberto por um céu cinza chumbo e com uma cortina de chuva simétrica, tão milimetricamente detalhada, que me deixou boquiaberto. Parecia que o céu queria aguar por igual cada canto daquela terra. Em poucos instantes, minha alma de menino de engenho se transportou do corpo do advogado para acima do lindo vale e visitei, junto com a chuva, em fração de segundos, cada recanto daquele torrão que guarda tanta beleza em sua história. E no meu devaneio de saudade percebi, envolto naquela bruma espessa, os vários engenhos do Ceará-Mirim, como se clamassem por direito a um momento de vida. Ainda que só por um instante, enquanto durasse a chuva. Vi o “Carnaubal”, tão pregado à cidade que quase já se incorporou à mesma; o “Guaporé”, qual cisne adormecido em meio ao canavial, tão abandonado e ao mesmo tempo lindamente reverenciado por aquela cortina mágica de gotas d’água que traçavam ao seu redor uma sinfonia em sua homenagem; lá estavam o “São Francisco”, o “Diamante”, o “Timbó”, o “Verde-Nasce”, o “Mucuripe”, o “Capela”, o “Cruzeiro”, o “União” e o “Nascença”, entre tantos outros, cada qual com sua particularidade de beleza ímpar, como a guardar o lindo Vale. Senti, com o frescor da brisa molhada, a felicidade etérea dos espíritos que ali ainda permanecem, tal qual guardiões de seus domínios. Foi como se sentisse, eu mesmo, a alegria da terra em ser regada pela mão divina. E o passado longínquo se fez presente e consegui ouvir e ver acontecer novamente todas aquelas atividades ligadas ao mundo dos engenhos. A dinâmica do senhor ao determinar as tarefas a serem efetuadas no inverno; os empregados a moldarem a terra rica e fértil do paul para semear mais cana; os animais envoltos na fartura que a chuva traz; os gemidos dos carros-de-boi e os apitos dos engenhos a fazer funcionar toda aquela engrenagem mágica do mundo dos engenhos. Também vi, na varanda da casa-grande do “Oiteiro”, a sinhá-moça a sonhar versos e fatos que se eternizariam para sempre. Vi e ouvi os bailes e os saraus que animavam aquela gente e que se perderam da lembrança popular por falta de essência de seus descendentes. Percebi tudo isso envolto na chuva mágica e triste que banhava o Vale. Foram flashes que desapareceram tão rapidamente quanto surgiram. Em seguida voltei a mim, na Ceará-Mirim moderna, vestido novamente como advogado e parcialmente molhado pela chuva que me atingira. Eram lágrimas da alma ... lágrimas do Vale! 



Natal, 05-07-2012 
 Eduardo Carvalho (*)
 (*) Advogado, escritor e Senhor de Engenho

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